segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

RESUMO: A Democracia e seus críticos (Robert Dahl, 2012)

Os gregos, particularmente os atenienses, deram causa à primeira transformação democrática: a ideia e ação do governo de muitos. Segundo eles, a cidade-Estado era o único espaço onde tal articulação poderia ser amadurecida. Hoje essa ideia tornou-se obsoleta por conta do Estado nacional, o qual representa a segunda transformação democrática. Um dos objetivos do livro é refletir sobre a possibilidade de estarmos caminhando rumo a uma terceira transição.

O povo sempre foi uma categoria fortemente marcada pela subjetividade. Dentro dele haveria um subconjunto de pessoas aptas à cidadania – o demos. Seja nos Estados Unidos, onde negros, índios e mulheres formavam um conjunto de não-cidadãos, ou no Brasil, onde também negros e mulheres foram postos à margem, a exclusão de uma parcela significativa de adultos atravessa grande interlúdio até os dias atuais.

Formam o conjunto de orientações que dão sustentação à teoria democrática as ideias provenientes da (I) Grécia clássica; (II) a tradição republicana derivada de Roma e das cidades-Estado italianas; (III) as ideias e instituições do governo representativo; e a (IV) lógica da igualdade política.

Tanto Aristóteles quanto Platão, na antiguidade grega, opunham obstáculos à democracia. Mais efusivo, Platão defendia um governo dos mais qualificados, ideia que nunca perdeu seu prestígio. Na visão dos gregos, o cidadão seria uma pessoa íntegra, desempenhando na política uma atividade social e para quem o Estado não é alheio a si, mas sua extensão. Teoria e prática, no entanto, não estavam afinadas.

Segundo os gregos, para consolidação de uma ordem democrática seriam necessários (I) cidadãos harmoniosos entre si, compartilhando sentido geral sobre a sociedade; (II) homogeneidade dos cidadãos como forma de evitar conflitos e profundas divergências quanto ao bem comum; (III) um corpo pequenos cidadãos para que esses pudessem se reunir; (IV) capacidade de reunião e decisão de forma direta sobre leis e cursos de ação política; (V) participação ativa na administração da cidade; e (VI) autonomia da cidade-Estado.

Para a teoria republicana, o homem é naturalmente um animal social e político, concretizando suas potencialidades em associações com outros seres humanos. Um bom cidadão é aquele que possui virtude cívica, procurando o bem de todos nos assuntos públicos. As facções e conflitos políticos são ameaças à virtude cívica. No entanto, uma característica quase universal da sociedade civil moderna é a pluralidade, a heterogeneidade.

Por sua vez, os governos representativos originaram-se como instituições medievais de governos monárquicos e aristocráticos, particularmente na Inglaterra e na Suécia. Em assembleias convocadas por monarcas ou por nobres para dirigir assuntos importantes como impostos, guerras e sucessão ao trono, convocam-se representados de vários Estados que, com o tempo, foram resumidos a dois: lordes e comuns, os quais reuniam-se em casas separadas.

Robert Dahl critica a competência argumentativa do anarquismo para o caso de, numa sociedade sem Estado, haverem transgressores recalcitrantes, contra os quais deveria haver uma coerção ou essa seria cometida pelos agressores, o que tornaria muito grave caso esses acumulassem recursos que lhes permitissem controlar terceiros por meio de recompensas ou punições. Poderia originar-se um “Estado bandido” nessas condições.

E caso o motivo para derrubar o Estado não fosse apenas a abolição da coerção, mas a conquista de outros bens tais como liberdade, igualdade, segurança e justiça, a coerção não seria justificável? O que torna não coagir um valor superior a todos esses? Quer dizer: (I) na ausência de Estados, outras formas indesejáveis de coerção persistiriam; (II) essa coerção poderia ser realizada por membros que adquirissem recursos para criar um Estado de opressão; (III) o controle social para evitar um Estado exigiria associações autônomas, pequenas e unidas por múltiplos laços; e (IV) parece ser impossível a constituição de tais associações nos dias atuais.

A guardiania também é citada por uma alternativa à democracia. Segundo essa concepção, não é possível que pessoas comuns entendam e defendam seus próprios interesses, quanto mais interesses da sociedade em geral. As pessoas comuns não têm qualificação para governar, motivo pelo qual os governos devem ser confiados a uma minoria com conhecimento e virtudes superiores. Não há, no entanto, um conhecimento moral “objetivo” como nas matemáticas sobre leis morais de governo. Além disso, os próprios guardiães não são unânimes entre si. Por outro lado, como confiar que os líderes buscariam incessantemente o bem comum e não o bem próprio?

Assim como não aceitamos o paternalismo nas decisões individuais por serem cerceadores das nossas capacidades morais, também devemos rejeitar a guardiania nos interesses públicos, dado que ela atrofia o desenvolvimento das capacidades morais de um povo.

A democracia é o melhor modelo para que os seres humanos alcancem a maior liberdade possível, desenvolvam plenamente suas capacidades e potenciais humanos e para que obtenham o a satisfação dos interesses que julgam importantes, dentro dos limites e viabilidade e justiça com os outros.

Essa forma de governo teve oito consequências principais, quais sejam: o advento da (I) representação; (II) a expansão ilimitada através do Estado-nacional, para o qual nenhum país seria vasto demais para a representação política; (III) limites para a participação política efetiva do povo; (IV) diversidade de segmentos étnicos, raciais, regionais, dentre outros; (V) o conflito como seu aspecto inerente e inevitável; (VI) a poliarquia como um conjunto de instituições políticas que distinguem a democracia representativa moderna de outros sistemas políticos – mesmo da democracia antiga; (VII) uma pluralidade de organizações e grupos sociais relativamente autônomos entre si e também frente ao governo; e (VIII) expansão dos direitos individuais, dado que uma maior escala provavelmente estimula uma maior preocupação quanto aos direitos como alternativas à participação nas decisões públicas.

Quanto à poliarquia, ela é representada pelas seguintes instituições, as quais são necessárias (mas não suficientes) à democracia em grande escala: (a) funcionários eleitos; (b) eleições livres e justas; (c) sufrágio inclusivo; (d) direito de concorrer a cargos eletivos; (e) liberdade de expressão; (f) informação alternativa; e (g) autonomia associativa.

A poliarquia transcorreu desde o século XVIII mediada por três períodos de crescimento, de 1776 a 1930; de 1950 a 1959 e a partir da década de 1980. O primeiro período caracteriza-se pela revolução francesa e pela revolução americana e vai até alguns anos seguintes ao final 1ª Guerra Mundial, momento em que as instituições poliárquicas puderam amadurecer na América do Norte e Europa.

A poliarquia é resultado de sociedades modernas (níveis altos de riqueza, consumo e educação, maior diversidade ocupacional, grandes populações urbanas, decréscimo da população agrícola e importância econômica relativa da agricultura); dinâmicas (crescimento econômico e padrão de vida elevados); e pluralistas (com diversidade de organizações e grupos com autonomia relativa, sobretudo na economia), chamadas por Robert Dahl de MDP (sociedade moderna dinâmica e pluralista). A sociedade MDP favoreceu a poliarquia porque (I) dispersa poder, influência, autoridade e controle para uma diversidade de centros e os aproxima de uma variedade de segmentos sociais; e por (II) promover atitudes e convicções a favor das ideias democráticas. Embora independentes, as duas características se reforçam de maneira mútua. Crucialmente, ela veda a concentração de poder num só conjunto unificado de atores e dispersa o poder em uma série de atores relativamente independentes.

Uma sociedade MDP caracteriza-se pelas seguintes dispersões (I) dos recursos políticos (como dinheiro, conhecimento, status e acesso às organizações); (II) das localizações estratégicas (essencialmente nos assuntos de economia, ciência, educação e cultura); e (II) das posições de negociações (nos assuntos econômicos, científicos, nas comunicações, educação, dentre outras áreas).

As perspectivas da poliarquia são seriamente reduzidas se as crenças e as identidades fundamentais entre as pessoas de um país engendram conflitos no campo político e as perspectivas são maiores se essas crenças e identidades não representam fontes de conflito. Quanto maior a singularidade das subculturas de um país, menores as chances da poliarquia. Essencialmente, as subculturas são resultado de divergências étnicas, religiosas, raciais, linguísticas ou regionais ou de experiências históricas/mitos compartilhados. Pode ser resultado também de ideologias ou partidos distintos.

Apesar disso, a homogeneidade cultural pode não produzir poliarquias, como exemplificam a Coreia do Norte e a do Sul, dois dos países culturalmente mais homogêneos do mundo. Em outros casos, a democracia consociacional foi capaz de prover a poliarquia em nações de extensivo pluralismo cultural.

As condições explícitas para o desenvolvimento e sustentação da poliarquia são dependentes das seguintes condições: (I) meios de coerção violenta dispersos ou neutralizados; (II) existência de uma sociedade MDP; (III) cultura homogênea (ou, em não sendo, estiver segmentado em subculturas robustas e distintas; ou, não sendo segmentados, se os líderes forem bem-sucedidos na criação de um arranjo consociacional para administrar conflitos); (V) possuir cultura e crenças políticas, particularmente entre os ativistas políticos, que defendam as instituições da poliarquia; e (V) não haver intervenção estrangeira hostil à poliarquia.

Como esboços de soluções para um país democráticos avançado, defende o autor o governo dos empreendimentos econômicos, uma vez que tais empreendimentos são imensamente importantes no cotidiano da maior parte dos cidadãos e que como as empresas são consideras instituições que exigem relações de poder e autoridade que constituem o governo das pessoas inseridas nas atividades produtivas do empreendimento econômico, deve-se existir o direito de se perguntar como esse governo deve ser constituído.

O grande obstáculo enfrentado ao avanço da democracia são os guardiães modernos, detentores do conhecimento especializado. Os intelectuais, para quem Platão dedicou todas suas esperanças de guardiania, representam esse segmento, mas não ele todo. Particularmente, os especialistas de políticas públicas, que influenciam diretamente as decisões governamentais e formam uma elite política. Seu papel não seria de tanto destaque caso não fossem cada vez mais complexas as decisões referentes ao governo, reduzindo o controle efetivo pelo demos, resultando, assim, num tipo de guardiania das elites políticas.

Uma solução proposta por Robert Dhal é a criação, em países democráticos, de minipopulus com uma composição relativa, selecionados ao acaso entre todos cidadãos. A tarefa dessa organização seria a deliberação, por um período determinado, a respeito de uma tema e anunciar suas escolhas. Os indivíduos membros da minipopulus poderiam reunir-se por meios das telecomunicações, dividindo-se entre tarefas; uma parte poderia ocupar-se da agenda, outra reunindo-se com comitê de acadêmicos e especialistas; outra realizando reuniões, encomendando pesquisas, participando de debates, etc. O papel da minipopulus não seria de substituição dos órgãos legislativos, mas de complementação.

O minipopulus formaria o juízo do demos, transferindo autoridade e legitimidade à democracia.

Um comentário: